sábado, 28 de abril de 2012

Conheça as ruínas de São Miguel das Missões


Eles viveram o paraíso na terra. Uma das passagens mais impressionantes da história da colonização do Brasil e da América do Sul foram as missões de catequese dos padres jesuítas na região do Rio Uruguai, na Bacia do Prata, abrangendo territórios que hoje são ocupados pela região noroeste do estado do Rio Grande do Sul e também trechos do Paraguai e da Argentina. Conheça São Miguel das Missões, um lugar que respira história, arte e cultura no sul do Brasil.

A história da cidade

Arte sacra dos índios, barroco guarani em São Miguel das Missões, Rio Grande do SulA serviço da Companhia de Jesus e da Coroa Espanhola, os missionários fizeram muito mais do que simplesmente converter ao catolicismo os índios guaranis que habitavam a região: convenceram-nos a mudar radicalmente seu estilo de vida, construindo povoados que atingiram desenvolvimento surpreendente.

Desde 1609, quando a primeira missão se instalou na região, os padres, auxiliados pelos índios, deram início à construção de povoados - chamados de reduções -, que acabaram se transformado em verdadeiras teocracias, governadas por três padres que orientavam a vida de 1.000 a 6.000 índios, dependendo do tamanho. No auge do seu desenvolvimento, entre os anos de 1680 e 1730, já havia um total de 30 reduções, orientadas por valores socialistas e autônomas política e economicamente.
Mas os interesses políticos de Portugal e Espanha prevaleceram . Pelo Tratado de Madri, firmado em 1750, a Espanha, em troca da colônia de Sacramento, no território que hoje pertece ao Uruguai, cede os territórios das missões a Portugal, que os ocupou na força da espada e das balas dos canhões, dizimando populações guaranis e os povoados.
As vilas foram abandonadas pelos índios, que se dispersaram pela mata e hoje estão restritos a pequenos grupos que vivem em reservas. Por isso, tudo o que o turista vê quando decide conhecer a região das Missões são ruínas. As maiores estão em San Ignácio Mini, na Argentina, e em Trinidad, no Paraguai. No Brasil foram fundados sete povoados, conhecidos como Sete Povos das Missões.
São Miguel Arcanjo, fundado em 1632, atual São Miguel das Missões, a cerca de 500 km de Porto Alegre, é a cidade que oferece a melhor estrutura para a visitação turística. Lá estão as ruínas da catedral de São Miguel Arcanjo e a fonte que abastecia o povoado de água, além de um museu com boa coleção de arte produzida pelos guaranis. É lá que, diariamente ao entardecer, acontece o Espetáculo de Som e Luz, uma encenação ao ar livre, de frente à cateral, que, com música e efeitos luminosos sobre as ruínas, conta a história resumida das missões.
Santo Ângelo também possui boa estrutura, oferecendo hotéis e passeios guiados. Também é possível conhecer a região das missões em caminhadas organizadas por operadoras locais (veja quadro no final desta reportagem), visitando, em roteiros variados as cidades de São Borja, São Nicolau, São Luiz, São Lourenço e São João.
É bom que se diga que a estrutura para receber o turista ainda é precária, embora haja um projeto do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, o Iphan, para a criação de roteiros de visitação e a infraestrutura necessária para atrair o turista com mais conforto. No entanto, a história que envolve a evolução dos povoados jesuíticos das missões é, no mínimo, fascinante, e vale a pena ser conhecida.

A disputa do prata

Os jesuítas da Companhia de Jesus não estiveram na região do Prata por acaso. Desde a expedição de Martim Afonso de Souza, que tinha como objetivo iniciar o processo de ocupação do território brasileiro lá pelos idos de 1530, os portugueses já tinham um olho gordo nas histórias de riquezas da região.
O problema era justamente a subida do Rio da Prata, muito perigosa devido à hostilidade dos guaranis. Há indícios, inclusive, de que a expedição de Martim Afonso tinha objetivos de abrir duas frentes rumo às supostas riquezas: pelo rio, onde ele próprio esteve com sua frota marítima, e pelo interior, com expedições que subiram a Serra do Mar a partir de Cananéia, no litoral sul de São Paulo.
Quando os jesuítas chegaram, portugueses e espanhóis já ensaiavam a ocupação da região. Ambas as coroas reivindicavam para si as terras, dada a impossibilidade técnica de se estabelecer com exatidão os limites da linha que definia os territórios de cada um, estabelecida em Tordesilhas. Nessa terra de ninguém, um dos objetivos das missões jesuíticas era tornar os guaranis aliados, facilitando os caminhos pelo Rio da Prata rumo ao interior.
Mas os missionários fizeram mais. Padres com formação artística e científica propiciaram aos guaranis uma educação típica européia, ensinando-lhes artes e ofícios. Em pouco tempo, suas empreitadas alcançaram grande progresso econômico, social e cultural, a ponto de ameaçar o domínio espanhol e português na região. Repudiavam práticas escravagistas, comuns na época, e repartiam comunitariamente o fruto do trabalho. Só para se ter uma idéia desse desenvolvimento, os povoados chegaram a ter cerca de 150 mil habitantes na sua época áurea, ou cerca de 2/3 da população total da Bacia do Prata.
A construção dos povoados seguia uma estrutura simples, mas muito eficiente, determinada pela coroa espanhola no seu plano de colonização. Os padres conseguiam a simpatia dos guaranis de uma determinada região e trabalhavam no sentido de edificar as povoações. Uma comitiva formada pelos padres e alguns índios determinavam o local, normalmente localizado em terras altas, férteis e com abundância no abastecimento de água.
Em seguida, um novo grupo visitava o local, preparando a terra e construindo as primeiras casas, sempre dispostas numa área quadrangular e dominadas ao fundo por uma grande catedral. À esquerda da catedral ficava o colégio; à direita, o cemitério. No museu de São Miguel das Missões é possível conferir uma maquete desse estilo de construção.
O grau de desenvolvimento socioeconômico adquirido pelos povoados foi impressionante. Os índios abandonaram o costume da caça e passaram a se dedicar à criação de gado e à agricultura. Foram os guaranis que primeiro cultivaram o mate no Rio Grande do Sul - dizem que a tradição de tomar chimarrão dos pampeiros começou aí.
Cada uma das vilas tinha a sua vocação. Em São João Batista, por exemplo, funcionava uma fundição de ferro. Em muitas outras, já havia produção têxtil. Imprimiam os livros usados nas escolas e tinham até observatório astronômico. Todas elas eram integradas por estradas abertas na selva.
Os indos freqüentavam as escolas e aprendiam ciências, artes e ofícios. Cada povoado tinha o seu coral e a sua orquestra, na concepção européia desses termos. Tinham também suas oficinas de arte e de construção de instrumentos musicais, produzindo peças sacras barrocas e muitos dos violinos, oboés e fagotes ouvidos nas melhores salas de concerto do Velho Continente. Eram tão hábeis que acabaram incorporando traços do seu universo à arte, esculpindo querubins de coxas grossas e olhos amendoados, criando uma espécie de barroco guarani. As peças remanescentes dessa arte estão expostas no museu de São Miguel.

A resistência de Sepé

Fonte missioneira, São Miguel das Missões - Rio Grande do SulCom o Tratado de Madri, os portugueses passavam a ser os novos donos dos territórios ocupados pelas missões. E decretaram que os guaranis deveriam abandonar suas cidades. No entanto, os índios decidiram enfrentar as forças inimigas. Em 1754, liderados por Sepé Tiaraju, os índios iniciaram uma resistência organizada e feroz aos invasores.

Sepé resistiu com todas as suas forças. Mas, em 1756, ele e seu exército foram massacrados na batalha de Caiboaté, no atual município de São Gabriel. Em seguida, as forças do português Gomes Freire de Andrade chegam a São Miguel, mas não encontram resistência: os índios já haviam incenciado e abandonado a vila. Em 1761, com a anulação do tratado de Madri, as terras das missões voltaram a pertencer à Espanha.
Os portugueses decidiram retomar o território na marra. E, sob a resistência das forças de Borges do Canto, Manuel dos Santos Pedroso e Gabriel Ribeiro de Almeida, repeliram os espanhóis e incorporaram as terras ao Brasil em 1801. De nada adiantou.
Largadas e abandonadas, as vilas foram sucumbindo, engolidas pela mata. Antes de serem legadas definitivamente ao esquecimento, a região das missões ainda sofreu a invasão do caudilho uruguaio Frutuoso Rivera, que saqueou o que restava e escravizou os últimos guaranis que ainda viviam nos povoados. Era o fim do sonho das missões. Cabe a você redescobrir esta fascinante história.


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